EDUCAÇÃO DE QUALIDADE SEM BIBLIOTECAS E SEM BIBLIOTECÁRIOS: UMA AUSÊNCIA QUE SE FAZ PRESENTE.
Thamiris Iara Sousa Silva
Cíntia Gomes Pacheco
Esta reflexão nasce de uma experiência com um trabalho realizado para uma disciplina da pós-graduação que, depois de apresentado para a turma, descobrimos que entendemos errado a finalidade da atividade proposta. Contudo, apesar do nosso erro de interpretação, acabou resultando em uma boa discussão sobre bibliotecas, bibliotecários, tecnologias e educação. No fim deu tudo certo, não se preocupem. Foi possível, ao longo do trabalho, enxergarmos algumas questões que nos fizeram refletir e concluir que precisávamos compartilhá-las e que são apresentadas neste texto.
A disciplina propôs reflexões acerca das habilidades digitais dos cidadãos e sua relação com a Agenda 2030. Neste sentido, realizamos a pesquisa em dois temas a saber, o NIC.Br (1) e a Agenda 2030 (2). O primeiro trata de uma plataforma voltada para a coordenação da internet no Brasil, formada por diversos setores que pesquisam e produzem relatórios sobre temas concernentes no país. Já o segundo tema, trata da Agenda 2030 e seus ODS; em termos gerais, trata-se de um compromisso assumido pelos países pertencentes à Cúpula das Nações Unidas acerca do desenvolvimento sustentável, tornando-se uma referência para a implementação de políticas públicas para os governos no mundo todo. O documento contempla 17 objetivos de desenvolvimento sustentável com metas norteadoras definidas pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Portanto, é um documento que propõe metas mundiais para o alcance de uma vida sustentável. Os 17 ODS são: 1- erradicação da pobreza, 2- fome zero e agricultura sustentável, 3- saúde e bem-estar, 4- educação de qualidade, 5- igualdade de gênero, 6- água potável e saneamento, 7- energia limpa e acessível, 8- trabalho decente e crescimento econômico, 9- indústria, inovação e infraestrutura, 10- redução das desigualdades, 11-cidades e comunidades sustentáveis, 12- consumo e produção responsáveis, 13- ação contra a mudança global do clima, 14- vida na água, 15- vida terrestre, 16- paz, justiça e instituições eficazes e 17- parcerias e meios de implementação.
Entre as sugestões de materiais de consulta, optamos por investigar o NIC.br, especialmente o Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação sob os auspícios da UNESCO (3)), trata-se de um departamento do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC. br) ligado ao comitê gestor da internet do Brasil (CGI.br) que tem como missão monitorar a adoção de tecnologias de informação e comunicação (TIC) no Brasil.
No Cetic.br o público alvo das pesquisas são as escolas. Portanto, como nossas pesquisas de mestrado e doutorado são voltadas para o universo educacional, nós acordamos em trabalhar este setor, e como era necessário interligá-lo com a Agenda 2030, escolhemos o ODS 4 - Educação de qualidade.
Pensamos em apontar como os dados produzidos pelo Cetic.br poderiam auxiliar na meta de termos uma educação de qualidade. Seguindo nosso objetivo, não demorou para que o nosso radar de bibliotecárias fosse acionado, e assim identificamos dois fatos instigantes, como se pode ver a seguir:
Fato 1 - O Cetic.br investiga o uso de tecnologia e internet de todo o público escolar, dos alunos mais jovens à coordenação pedagógica, mas não inclui as bibliotecas e nem os bibliotecários.
Vendo isto, nós nos perguntamos: Ué, e biblioteca e bibliotecário não utilizam tecnologias e internet? É bizarro como a biblioteca e os bibliotecários não são vistos como integrantes das escolas, e de como ainda se compreende biblioteca como uma sala abandonada entulhada de livro, é isto mesmo, livros como entulho e bibliotecas como porões. Tecnologia e internet para quê? Se o bibliotecário só existe para tirar a poeira dos entulhos e mandar qualquer intruso fazer silêncio?
Seguimos para o fato 2 - Agenda 2030, ODS 4 - Educação de qualidade e nenhuma das subseções se refere à biblioteca, muito menos, à biblioteca escolar, e, também, não cita o bibliotecário. A nossa pergunta é: como se faz educação de qualidade visando o futuro cometendo os mesmos erros do passado e infelizmente, do presente?
Não sabemos como se articula educação de qualidade sem bibliotecas e sem bibliotecários. Compreendemos que pode ser que alguém diga que quando se fala de educação de qualidade as bibliotecas e seus profissionais estão incluídos, mas a verdade é que não estão. Esta ausência percebida no ODS 4 reforça a desvalorização e o desconhecimento da nossa classe e do fazer bibliotecário.
A verdade é que a sociedade não consegue se desfazer do estereótipo dado à biblioteca e ao bibliotecário, não conseguem entender que bibliotecário trabalha com informação e biblioteca é espaço de construção, de movimento e não de inércia.
Não conseguem entender que bibliotecários são sim protagonistas no crescimento e bem estar de uma sociedade, mediamos informação, isto mesmo, informação, esta que se tornou essencial para a vida humana, em todos os seus âmbitos.
Estes apontamentos nos fazem pensar: quando o bibliotecário e a biblioteca serão vistos e valorizados? Pois, ao que parece, esses não são os planos da educação de qualidade até 2030.
Esta constatação nos gerou muito incômodo e um sinal de alerta, como fazer a sociedade nos perceber, bibliotecários e os profissionais de informação, arquivistas, museólogos e cientistas da informação, levando-se em conta que nem um documento com esta magnitude e visibilidade - Agenda 2030, menciona a relação educação de qualidade com a existência de bibliotecas e bibliotecários?
Até quando teremos que justificar nossa existência? A profissão é regulamentada, temos várias leis para nos amparar, temos que atuar sendo credenciados pelo CRB da região de atuação, pagando anuidade. Além disso, no que se refere à biblioteca escolar, existe a Lei 12.244/2010, que prevê uma biblioteca em cada escola com a presença assegurada de um bibliotecário. O que também não é uma realidade em vários locais do país.
São muitos pontos a elencar, neste sentido, como intuito de contribuirmos de alguma forma para esta indagação, redigimos o ODS 4.d e o ODS 4.e, seguindo a sequência do ODS 4 que se encerra no 4.c, como segue abaixo:
4.d - Garantir que a infraestrutura básica das instituições de ensino inclua as TICs, e faça parte da grade curricular escolar do ensino infantil ao ensino médio, disciplinas voltadas para o desenvolvimento de competência em informação, bem como de competência digital.
4.e - Incluir bibliotecas e bibliotecários como contribuintes essenciais para o cumprimento do Objetivo 4.
Para nós foi interessante construir esses dois objetivos, que nos parecem óbvios, mas pelo visto o óbvio também precisa ser dito, e tendo dito, encerramos aqui nossa reflexão.
NOTAS
1 - Informações sobre o NIC.br. Disponível em: https://www.nic.br/. Acesso em: 27 jan.2023.
2 - Informações sobre a Agenda 2030. Disponível em: https://odsbrasil.gov.br/home/agenda. Acesso em: 27 jan.2023.
3 - Informações sobre o Cetic. br. Disponível em: https://cetic.br/pt/sobre/. Acesso em: 27 jan.2023.