GP - INFORMAÇÃO: MEDIAÇÃO, CULTURA, LEITURA E SOCIEDADE


  • Grupo de Pesquisa - Informação: Mediação, Cultura, Leitura e Sociedade - Textos elaborados por membros do Grupo, visando a divulgação de pesquisas específicas realizadas no seio do GP e a disseminação de discussões e reflexões desencadeadas pelos integrantes do grupo.

ACESSO À INFORMAÇÃO COMO DIREITO HUMANO CONTEMPLADO NOS SISTEMAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO

ORLEDYS MARÍA DE JESÚS LÓPEZ CALDERA

Recentemente o Fórum Económico Mundial publicou a 54ª edição do seu relatório alertando que a desinformação é o principal risco global da atualidade. Nesse sentido, apelou aos líderes mundiais para que através da cooperação entre os países possam ser propostas e implementadas ações de sensibilização, educação e divulgação que permitam alertar e preparar os cidadãos sobre os riscos e consequências da desinformação.

Pelo interesse particular no campo da informação acompanhei uma pesquisa sobre o espaço cívico como ambiente em que indivíduos, organizações da sociedade civil e diversos atores políticos podem exercer suas liberdades fundamentais sem sofrer represálias. A partir dos resultados dessa investigação, considero conveniente partilhar alguns estândares que os Sistemas Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos estabeleceram e adotaram para reconhecer, garantir e proteger o direito à informação, como elemento essencial de um espaço cívico democrático protegido e seguro para o exercício da cidadania.

Ressalte-se que quando falamos em estândares internacionais de direitos humanos nos referimos ao conjunto de princípios e normas estabelecidos em tratados e declarações que indicam e propõem as condições necessárias para que os indivíduos e organizações que compõem a sociedade possam participar plenamente, na vida pública, exercendo os seus direitos e contribuindo para o processo democrático.

O acesso à informação é um direito fortemente ligado à liberdade de expressão, e em ambos os casos a sua proteção e garantia é da responsabilidade do Estado, por ser considerado um alicerce de sociedades livres e democráticas em que o acesso adequado à informação garante a transparência, e a promoção da participação cidadã nos processos de tomada de decisão. Nesse sentido, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), também conhecida como “Pacto de San José da Costa Rica”, promulgada em 1969, fazendo referência à liberdade de pensamento e de expressão estabeleceu em seu artigo 13 que:

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. (OEA, 1969, grifo nosso).

Tanto o direito à liberdade de expressão e pensamento como o acesso à informação permitem uma participação efetiva dos cidadãos, sendo que essa participação só é plenamente alcançada em espaços cívicos protegidos e onde existe a possibilidade de exercer o direito de pesquisar, recolher, receber e ter acesso à informação de interesse público.

Com base nestes argumentos, considerou-se interessante rever a evolução dos estândares internacionais sobre o direito de acesso à informação, observando dentro dos resultados algumas caraterísticas e diferenças existentes nos quatro sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos (Nações Unidas, Interamericano, Europeu e Africano), o que é de esperar quando se tem em conta as desigualdades e condições inerentes às nações que compõem esses sistemas e à forma como os direitos foram reconhecidos e estruturados. A seguir são apresentadas resumidamente algumas características do direito à informação, de acordo com cada Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos:

Sistema Universal de Direitos Humanos (SUDH)

  • Os poderes públicos e as suas instituições devem facilitar o acesso à informação de matéria pública, independentemente da origem, do âmbito, da data de produção, do formato ou dos dispositivos onde essa informação é registada e armazenada;
  • Os meios de comunicação social têm o direito de aceder à informação sobre assuntos públicos;
  • Os cidadãos em geral podem aceder e consultar as atividades, pesquisas e resultados gerados e divulgados pelos meios de comunicação social;
  • A privacidade dos dados pessoais é um direito de todos, portanto, é válido conhecer a utilização e gestão das informações pessoais recolhidas pelos serviços públicos e de saúde, bem como nos sistemas educativos e nos setores de telecomunicações, etc.

Sistema Europeu de Direitos Humanos (SEDH)

  • Para garantir o acesso à informação como direito, é necessário contar com mecanismos, dispositivos e estratégias que garantam a todos o fácil acesso às informações de interesse público que compõem o acervo documental das instituições oficiais do Estado, arquivos institucionais e relatórios de qualquer natureza pode ter impacto na sociedade;
  • Poder coletar informações sob a proteção do direito de acesso à informação é o passo inicial para o exercício da liberdade de imprensa;
  • Nenhuma autoridade poderá negar ou restringir o acesso à informação pública uma vez concedido o acesso pelo Poder Judiciário;
  • As notícias relacionadas com questões políticas e sociais são consideradas as mais relevantes e por isso devem estar disponíveis para todos;
  • O facto de as autoridades negarem ou restringirem a busca, recolha e acesso à informação pública é considerado uma violação do direito à informação.

Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH)

  • Todas as pessoas têm o direito de procurar e receber informações geradas e protegidas pelo Estado, inclusive quando se trata de questões de saúde, salvo algumas restrições legítimas, conforme estabelecido no artigo 13 da CADH;
  • Da mesma forma, a disposição acima mencionada para respeitar e garantir o direito à liberdade de expressão defende que a divulgação de informações, a comunicação e a circulação de notícias não podem ser restringidas através do uso-abuso de controles, ideias ou opiniões oficiais ou privadas;
  • A Corte Interamericana, por meio do Parecer Consultivo OC-5/85, indicou que, ao contemplar o conceito de ordem pública numa sociedade democrática, deve ser garantido o acesso à informação, bem como a circulação de notícias, ideias e opiniões das mais diversas correntes de pensamento;
  • A percepção de segurança jurídica na sociedade pode ser afetada uma vez que o Estado negue ou restrinja a publicação e o acesso à informação de interesse público, destacando que garantir e facilitar o direito à informação permite satisfazer e aceder a outros direitos humanos e permitir a participação dos cidadãos;
  • Quando os Estados protegem e garantem o direito de acesso à informação, a confiança dos cidadãos nas instituições e nos funcionários é facilitada e a transparência nos esforços governamentais fortalece o sistema democrático.

Sistema Africano de Direitos Humanos (SADH)

  • Está protegido o direito de todas as pessoas de acesso à informação produzida e gerida por entidades públicas e privadas, ainda mais quando essa informação garante o acesso a outros direitos humanos como a saúde, a educação, entre outros;
  • As pessoas têm o direito de acessar, utilizar e modificar informações pessoais contidas nos sistemas de informação de instituições públicas e privadas;
  • Quando o direito à divulgação de informações é negado ou restringido, os indivíduos podem recorrer aos tribunais ou órgãos independentes;
  • Não podem ser aplicadas sanções a quem, de boa-fé, divulgue informações sobre crimes ou ameaças à saúde pública, ao meio ambiente e outras questões que possam afetar a sociedade, desde que os valores e interesses democráticos não sejam afetados;
  • Por se tratar de informação sobre o processo eleitoral, todas as figuras e instituições políticas devem divulgar integralmente receitas, despesas, ações, funções, poderes e outras decisões relacionadas com as eleições;
  • O direito à informação é concebido como um princípio fundamental para a democracia e a boa governação, que com a transparência das instituições e autoridades fortalece o clima de confiança na sociedade, que promove a participação dos cidadãos.

Limites e restrições permitidas à liberdade de expressão relacionadas ao acesso à informação:

  • Existem algumas condições excepcionais em que certas limitações à liberdade de expressão e ao acesso à informação podem ser compreensíveis, desde que estas disposições estejam contempladas nas legislações vigentes dos países, e que além de necessárias sejam também proporcionais ao contexto, sendo justificado por:
  • Impedir a propaganda de guerra;
  • Proteger a segurança nacional, a integridade territorial, a saúde coletiva e a ordem pública;
  • Impedir a propagação de atos de apologia ao crime, ao ódio nacional, racial ou religioso que possam incitar à discriminação, à hostilidade ou à violência;
  • Proteger o respeito pelos direitos humanos, a dignidade e a reputação dos outros.

Reflexões parciais

Defendo a ideia de que cidadãos com competências informacionais possam aprender sobre direitos humanos e praticar mais facilmente o pensamento crítico necessário para participar, questionar e construir ferramentas e propostas para o desenvolvimento de políticas públicas em prol de condições que garantam a dignidade humana de todos.

Neste sentido, a própria Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias (IFLA, 2005) através do manifesto “Os faróis da Sociedade da Informação – Declaração de Alexandria" afirma que proporcionar e garantir a aprendizagem ao longo da vida é considerado como “um direito humano básico no mundo digital e promove a inclusão social de todas as nações”

Ter acesso a instituições, projetos, ações e campanhas de educação continuada ajuda as pessoas e seus governantes a combater os riscos e ameaças da desinformação, bem como as dificuldades políticas, econômicas e sociais, como forma de remediar as dificuldades e melhorar o bem-estar de todos.

Analisando informaçoes sobre a Agenda 2030 e seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ONU, 2015), é possível encontrar acordos, tratados, congressos, ações e produções acadêmicas que sustentam as vantagens de promover e fortalecer as Competências em Informação (CoInfo) do cidadão, como pilar de proteção e defesa dos direitos humanos e para cujo alcance defendo o poder da mediação da informação como processo determinante.

Em referência aos estudos de Mediação e apropriação da informação Santos (2023) reflete sobre pesquisas anteriores realizadas juntamente com Almeida Júnior (2019) onde ressaltam que a ConInfo compõe a Mediação tratando-se de uma ação de interferência que através de ações educativas de mediação proporciona aos sujeitos possibilidades fundamentadas no pensamento crítico e na aplicação de suas habilidades e destrezas para transformar seus conhecimentos e inclusive suas realidades sociais mediante as mais diversas ações.

Quanto a mediação da informação como processo potente na promoção e proteção dos direitos humanos para o alcance de uma participação cidadã ativa e efetiva se destaca a apropriação da informação como esse olhar e prática do profissional da informação que não se limita só a oferecer materiais prontos ou fontes para a satisfação das necessidades informacionais dos seus usuários. Isso quer dizer um profissional da informação preocupado com que seus usuários possam compreender o contexto geral, pelo que proporciona experiências para cada indivíduo questionar o conhecimento disponível, reconstrui-lo com suas próprias ideias, gerando assim novos conflitos informacionais sobre aquilo que desconhecia ou não sobre o tema de interesse

Diante da massificação de meios de comunicação e dispositivos que permitem a divulgação de informações nem sempre confiáveis ou verdadeiras, mas que têm capacidade de impactar negativamente a sociedade, a promulgação, promoção e execução de políticas públicas torna-se mais necessária do que nunca posicionar como prioridade global o desenvolvimento de Competências de Informação (CoInfo) em todas as instâncias, com o objetivo de que cada vez mais cidadãos possam aprender e reforçar as suas competências e conhecimentos em matéria de informação, atingindo a crítica, a ética e a responsabilidade na pesquisa, seleção de fontes, utilização e compartilhando informações.

Nessa visão os profissionais da informação precisamos atuar continuamente como mediadores de informação passando de só atender as necessidades informacionais de nossos usuários e entorno a atingir uma apropriação de informação que permita a compreensão e de ser necessário a geração de atitudes e ações que possam transformar realidades e injustiças sociais. Quer dizer todo um desafio para os profissionais da Ciência da Informação a nível mundial e ainda mais para aqueles que atuam em espaços cívicos hostis e não protegidos.

Referências

ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de; SANTOS, Camila Araújo dos. Mediação, informação, competência em informação e criticidade. In: FARIAS, Gabriela Belmont de; FARIAS, Maria Giovanna Guedes (Orgs.). Competência e Mediação da Informação: percepções dialógicas entre ambientes abertos e científicos. São Paulo: Abecin, 2019. p. 96- 111.

FEDERAÇÃO Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias (IFLA, 2005), manifesto “Os faróis da Sociedade da Informação – Declaração de Alexandria" Disponível em: https://repository.ifla.org/handle/123456789/3154

LÓPEZ CALDERA, Orledys. María de Jesús.; ROMERO, Marianna.; O. V. C. S. Elementos esenciales para fortalecer el espacio cívico y democrático en Venezuela. 2023. Disponible en: https://www.observatoriodeconflictos.org.ve/oc/wp-content/uploads/2023/11/ELEMENTOS-ESENCIALES-PARA-FORTALECER-EL-ESPACIO-CIVICO-Y-DEMOCRATICO-EN-VENEZUELA.pdf

ORGANIZAÇÃO das Nações Unidas. 2015. Transformando nosso mundo: a Agenda 2023 para o desenvolvimento sustentável. Nova Iorque: ONU. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/91863-agenda-2030-para-o-desenvolvimento-sustent%C3%A1vel

ORGANIZAÇÃO dos Estados Americanos 1969, Convenção Americana sobre Direitos Humanos "Pacto de San José de Costa Rica". Disponível em: https://www.refworld.org.es/docid/57f767ff14.html

ORGANIZACIÓN de las Naciones Unidas. 2020. Llamado a la Acción por los Derechos Humanos. Ginebra: ONU. Disponible en: https://www.un.org/es/content/action-for-human-rights/

SANTOS, Camila Araújo dos. Competência em Informação e mediação da informação à luz do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4 – Educação de Qualidade: a perspectiva da prática em bibliotecas. Informatio. v. 28, n. 2, p. 36-54, dez. 2023. Acesso em: www.scielo.edu.uy/scielo.php?pid=S2301-13782023000200036&script=sci_arttext&tlng=pt

WORLD Economic Forum.  2024 Risk in Focus features regional reports from around the world. 10 de janeiro de 2024, Available in: https://loom.ly/DjIfOKQ

 

ORLEDYS MARÍA DE JESÚS LÓPEZ CALDERA – Doutoranda em Ciência da Informação no PPGCI/Unesp - Marília e Bolsista CAPES. Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Possui graduação em Bibliotecología pela Universidad Central de Venezuela (UCV). Diploma validado como Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Ativista de Direitos Humanos, é pesquisadora em Ciências Sociais e Ciência da Informação, já atuou como professora universitária e diretora de uma rede de bibliotecas universitárias na Venezuela. Com mais de 17 anos exercendo funções na Gestão de Unidades de Informação.

E-mail: orledys.lopez@unesp.br


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