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  • Grupo de Pesquisa - Informação: Mediação, Cultura, Leitura e Sociedade - Textos elaborados por membros do Grupo, visando a divulgação de pesquisas específicas realizadas no seio do GP e a disseminação de discussões e reflexões desencadeadas pelos integrantes do grupo.

A CIÊNCIA E A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: UMA PERSPECTIVA MARXISTA

Simone Mª G. de O. Ulian

Para compreender o pensamento de Karl Marx acerca da ciência, podemos iniciar pela sua famosa frase de O Capital, na qual ele afirma que se a essência e a aparência das coisas coincidissem imediatamente, toda ciência seria supérflua.

Desta forma, cabe ao cientista desvendar o todo, que para Marx é historicamente construído, a fim de compreender a parte. Contudo, a totalidade material representada na sociedade guarda em sua essência aspectos não perceptíveis ao senso comum.

Marx, juntamente com Friederich Engels, compreende que a realidade material é construída historicamente pelo ser humano e é impulsionada pela luta de classes. Em sua obra O Manifesto do Partido Comunista, ele afirma categoricamente que a história de toda a sociedade, até os nossos dias, é a história da luta de classes. Ou seja, a luta de classes é o motor da História.

Nesta perspectiva, cada período histórico corresponde a um modo de produção específico e a hegemonia de uma classe social em detrimento de outra – estamos falando aqui da base, sobre a qual se funda toda a estrutura social.

O modo de produção que predomina no sistema capitalista é aquele pautado no trabalho assalariado, ou seja, existe a exploração de uma classe sobre a outra, onde a classe burguesa (detentora dos meios de produção) apropria (explora) a força de trabalho da classe operária a fim de obter a mais-valia (lucro), ou seja, é um modo de produção baseado na obtenção de lucro e, consequentemente, acumulação de capital e, não menos importante, a manutenção da hegemonia do capital sobre o trabalho.

Contudo, como já mencionado, esse modo de produção, embora seja objetivo, não é perceptível aos indivíduos comuns porque, na tentativa de mantê-lo intacto e promover a sua reprodução, o mesmo se desdobra para o plano subjetivo por meio da incorporação das instituições que compõem o cotidiano social e atuam na captura da subjetividade (consciência de classe) dos indivíduos – não só dos explorados e oprimidos mas também dos exploradores e opressores. Temos aqui a teoria marxista acerca da superestrutura e da infraestrutura.

Para Marx a organização social está baseada na divisão entre a infraestrutura e a superestrutura, sendo a primeira composta pelo modo de produção vigente e pelas relações de produção dele decorrentes e marcadas pela hegemonia de uma classe sobre a outra. Já a superestrutura, segundo Marx, é a estrutura jurídica, política e ideológica construída para a manutenção e reprodução da infraestrutura. Superestrutura, portanto, é composta pelo Estado, religião, direito, pensamento científico, artes, meios de comunicação etc., que atuam sistematicamente produzindo e reproduzindo a infraestrutura e impedindo que os indivíduos compreendam que estão submersos no terreno da luta de classes.

Neste ponto é possível iniciar nossa compreensão sobre a ciência de acordo com o pensamento marxista.

Marx, partindo da ciência econômica, critica a ciência de sua época que se baseava nos métodos das ciências naturais e nos ideais do positivismo. Exatamente por entender que a sociedade é uma totalidade histórica e dialética pautada na luta de classes, Marx acreditava que a ciência – entendida como a ciência dos homens ou da sociedade – deveria ser emancipadora, desvendando as contradições da sociedade e a aparência afim de descortinar a essência das coisas. Ainda, para ele, o papel da ciência é fundamentar a práxis, ou seja, possibilitar a transformação social visando a extinção de uma sociedade pautada na exploração e opressão de uma classe sobre a outra e a consequente instalação de uma sociedade mais justa e igualitária.

Ocorre, porém, que a única forma de transformar a sociedade, de acordo com o pensamento marxista, é a transformação da infraestrutura com a substituição do modo de produção e a extinção da luta de classes. Assim, deve a ciência se desvincular da superestrutura, indo além dela. A Ciência da Informação (CI), enquanto uma Ciência Social, nesta perspectiva, tem o mesmo papel.

De fato, é possível verificar entre os estudos realizados no interior da CI a construção de teorias que buscam, também na prática (tendo em vista que tais teorias são aplicadas e comprovadas em pesquisas de campo), o empoderamento de classes ou grupos sociais marginalizados e “menos favorecidos” no intuito de modificar a realidade social na qual estão inseridos.

Podemos citar a teoria de Henriette Gomes sobre as dimensões da Mediação da Informação e a teoria de Elizete Vieira Vitorino e Daniela Piantola sobre as dimensões da Competência em Informação – CoInfo.

Gomes defende que a Mediação da Informação deve se dar em cinco dimensões: dialógica, estética, formativa, ética e política. Resumidamente, entende a dimensão dialógica como aquela ação pautada exclusivamente na dialogia, onde a informação é mediada por meio do diálogo entre os interlocutores como um processo cooperativo; em relação à dimensão estética, a autora a compreende como a ação que possibilita ao sujeito o encontro com a informação e propicia o desenvolvimento intelectual e a formação do conhecimento; quanto à dimensão formativa, Gomes a coloca como uma condição vinculada à experiencia, de modo que o sujeito se entregue ao processo, se envolvendo e se responsabiliza por ele e pelo conhecimento ali construído. Em todo o processo de mediação da informação é necessário que se estabeleça um limite ético afim de evitar que a informação seja manipulada e possibilitar que os valores voltados ao desenvolvimento social e coletivo sejam evidenciados em todo o processo – trata-se da dimensão ética da mediação da informação.

Assim, quando a mediação da informação se desenvolve articulando suas dimensões dialógica, estética, ética e formativa, o processo alcança sua dimensão política que, segundo a autora, é o momento em que os atores envolvidos no processo de mediação alcançam a consciência de sua condição de sujeitos políticos se tornando, portanto, aptos a atuarem como protagonistas sociais e se comprometendo a agir visando o desenvolvimento e a melhoria da realidade na qual estão inseridos.

A teoria formulada por Vitorino e Piantola acerca das dimensões da CoInfo segue o mesmo raciocínio, ou seja, transformar indivíduos em protagonistas por meio do desenvolvimento da competência em informação. Assim, para as autoras, a CoInfo se desenvolve em quatro dimensões: técnica, estética, ética e política, e só adquire sentido se orientar o sujeito ao protagonismo social.

Neste sentido, a dimensão técnica da CoInfo se refere à aptidão do sujeito na utilização dos instrumentos ou ferramentas para o acesso à informação. Quanto à dimensão ética, esta se realiza quando o indivíduo, assumindo sua autonomia, é capaz de tomar suas decisões e ponderar suas ações, tanto no âmbito coletivo como no individual, levando em consideração seus efeitos e consequências, se tornando, portanto, cidadão. Já a dimensão estética se relaciona à política e à ética, harmonizando essas duas esferas em um contexto coletivo e propiciando uma boa convivência social, tendo em vista a “ordenação sensível do todo social”.

Como ocorre no processo de mediação da informação, a dimensão política da CoInfo se desenvolve com a realização das demais dimensões – técnica, ética e estética – e se caracteriza pelo fato do sujeito se comprometer politicamente, participando da construção coletiva da sociedade na busca da efetivação de direitos e deveres e consolidação de uma sociedade justa e democrática.

Desta forma, tanto a mediação da informação quanto a CoInfo objetivam, com o alcance de suas dimensões, transformar sujeitos comuns em protagonistas sociais. Contudo, retomando o pensamento marxista, nos resta indagar acerca do alcance da atuação destes protagonistas. O desenvolvimento desta consciência protagonista permite ao sujeito agir apenas no âmbito da superestrutura ou vai além, o possibilitando a atuar no cerne do modo de produção e da luta de classes, rompendo com a infraestrutura?

De fato, a busca pela efetivação de direitos e deveres inerentes à cidadania e ao processo democrático, bem como a atuação de protagonistas sociais no intuito de promover o empoderamento de classes ou grupos sociais é deveras importante para a melhoria de vida do indivíduos, contudo não se mostra suficiente para a superação de um modelo social e político pautado na opressão e exploração de uma classe sobre a outra, apenas ameniza seus efeitos atenuando a sensação de opressão e modificando, em parte, a aparência das relações sociais.

Marx, ainda, afirma que o desenvolvimento da sociedade não se dá de forma linear (como defendido pelo Positivismo), mas por meio de um processo dialético marcado por momentos de afirmação, contradição e superação que se alternam, podendo, inclusive, ocorrer momentos de retrocesso seguidos de saltos significativos de desenvolvimento e conscientização de classe.

Cabe, portanto, à CI uma parcela na elaboração de teorias científicas que propiciem a práxis além das aparências das coisas. A própria existência da sociedade depende da informação e da sua disseminação por meio dos processos de interferência, e manter a infraestrutura intacta, permitindo a produção e reprodução do sistema, ou propiciar a sua superação são caminhos distintos a serem trilhados, e o próprio desenvolvimento da CI irá nos dizer qual deles será executado.

Simone Mª G. de O. Ulian - simone.mgo.ulian@unesp.br - simonemaria@unir.br


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