CHUVA NA BIBLIOTECA
Os gregos chamavam clepsidra a um relógio de água, parecido com uma ampulheta, utilizado para controlar o tempo de oradores. No início do século XX, foi publicado o livro Clepsidra, do poeta português Camilo Pessanha. Essa obra correlaciona metaforicamente o fluir do tempo, da vida com a água que escorre, desliza contínua e inexoravelmente.
Pode chover em qualquer lugar, menos dentro da biblioteca. Infelizmente a realidade no Brasil, em bibliotecas públicas ou bibliotecas escolares, mostra o contrário. Chove na biblioteca, chove nos livros. A água que penetra não é metafórica, é real.
Para saber como está a saúde do telhado da biblioteca é só visitá-la em dia de chuva: as evidências emergem, ou melhor, submergem em meio a múltiplas goteiras: móveis afastados, baldes para as goteiras, estantes retiradas dos lugares, espaço parcialmente interditado.
Meus olhos apagados,
Vede a água cair.
Das beiras dos telhados,
Cair, sempre cair.
(Camilo Pessanha, Clepsidra)
Os dias de chuva são um transtorno em parte das bibliotecas escolares do país. Transitar no espaço transforma-se numa aventura labiríntica por entre baldes, latas, caixas de papelão envoltas em sacos plásticos usados para reter a água que desce gotejante do teto. O espaço fica interditado ao uso, parcial ou integralmente, e há escolas que possuem lona plástica para que, na evidência de chuva, possam cobrir o acervo.
Quando chove no interior da biblioteca:
Goteja, lenta e continuamente, o descaso que se tem com a Educação.
Goteja continuamente trechos de livros, palavras são borradas pela água.
Goteja: lentamente putrefazem-se livros e revistas de Botânica.
Lenta e continuamente a goteira: escorre pelas Artes ... borra as cores...acinzenta a Poesia.
Bolor crescente!
Goteja lentamente o lazer.
Escorre um pouco de cada um de nós.
As gotas que deslizam pelas capas dos livros, transformam-se em veios de água que levam a História da humanidade. Impedem meninas e meninos, em idade escolar, apropriarem-se do conhecimento e da cultura produzidos por outros homens e mulheres ao longo dos tempos. Lançam os jovens na indigência cultural, humana. Levam o futuro para águas turvas.
Até quando?