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BUTANTAN: CIÊNCIA E FUNK

O Instituto Butantan foi criado no começo do século XX (1901) na zona oeste da cidade de São Paulo. À época era uma fazenda que, desde 1899, abrigava o laboratório de produção de soro antipestoso, criado pelo governo paulista, para combater o surto de peste bubônica no porto de Santos.

Se a pandemia fez a humanidade encarar, como numa pintura cubista, seus diversos ângulos e perspectivas, convergentes e dissonantes que evidenciaram a fraqueza, o egoísmo de um lado e o altruísmo de outro, trouxe também o foco para a ciência, para que a população reconheça o quão o seu uso adequado em prol da vida torna-se valioso para os seres vivos: humanos ou não.

Em meio a tantas perdas e desacertos nacionais, o Butantan que tem como lema “a serviço da vida” é um dos Institutos ligados à ciência que mais tem estado em evidência devido ao seu engajamento, pesquisa e acordo com a China para a produção de vacina que se tornou essencial ao nosso país nesse período. 

Enquanto a principal liderança nacional tentava desacreditar a ciência, o Butantan se manteve fiel aos procedimentos científicos e concluiu a pesquisa.

A vacina está pronta. Está servindo ao povo brasileiro.

Dentre tantas revelações nesse momento, uma está muito evidente: o distanciamento da população da ciência ou, pelo menos, da compreensão do que vem a ser a ciência e o que ela impacta na vida de cada um. Esse afastamento levou parte dos brasileiros a acreditar em falsos testemunhos on-line daqueles que não são cientistas para falar da pandemia.

De volta ao Butantan, além da vanguarda em relação à vacina contra a Covid-19, o Instituto protagonizou mais uma dianteira: usou o funk como divulgador da vacina e da instituição.

O funk ainda é tabu na sociedade brasileira em geral, embora dificilmente, nenhum estrato social possa dizer que desconhece essa vertente musical. Por ter seu início ligado à população moradora da periferia urbana, com menos acesso à cultura prestigiada pela ordem econômica, ideológica, política do país e, portanto, enfrenta preconceito e a rejeição, assim como ocorreu com o samba em épocas passadas. O funk hoje está em todos os salões, em todas as camadas sociais, com inúmeras variações de letra e música.

Há aproximadamente quatro anos, MC Fioti lançou “Bum Bum Tam Tam” que se tornou um hit nacional e internacional, pois foi o primeiro brasileiro a ter mais de 1 bilhão de visualizações no Youtube. De acordo com Fioti, a música surgiu a partir do conhecimento que ele teve de Johann Sebastian Bach (1685-1750, Alemanha), a partir de um disco do DR. DRE. De acordo com Fioti, ele se perguntou: quem é esse Bach? Ao buscar informações sobre o músico clássico, encontrou as partituras de Bach e se encantou com “flauta em la menor”, sampleou e compôs a letra. (SENRA, 2021, YouTube).

A arte tem seus caminhos, nem sempre retilíneos, pois está circunscrita a vários fatores socioeconômicos e políticos que podem fazer com que um jovem chegue aos mais de 20 anos, como Fioti, sem ter conhecimento de Bach, mas que a arte o fez encontrar.

Bach impactou MC Fioti e sua composição inicia:

É a flauta envolvente

Que mexe com a mente

 

E hoje, na versão para divulgar o imunizante, o músico compôs o que se chama nas redes “hino da vacina”:

A vacina envolvente

que mexe com a mente.

Nesse contexto, O Butantan inova na divulgação tanto do instituto quanto da vacina por meio de um cantor popular e de uma vertente musical que ainda tem aqueles que a desconsideram como manifestação artística. No seu compromisso com a vida, parece que o Instituto tem claro em seus objetivos que pode usar diferentes estratégias para levar a informação à sociedade, não apenas aquelas já consagradas pelo mundo da ciência, da academia.

O Butantan rompe o limite entre a ciência e o funk e, com isso, traz o Instituto para mais próximo daquela população que não tinha conhecimento do valioso trabalho que lá executam. Além disso, lança a perspectiva para que meninas e meninos comecem a enxergar essa possiblidade de ser cientista, de trabalhar com a ciência.

 Assim, essa aproximação entre ciência e funk pode transformar a ambos os lados: o grupo da ciência e o da comunidade em geral, pois se há afastamento de parte da população do fazer do cientista ou de uma instituição como o Butantan, também o há de parte do grupo de cientista que torce o nariz em relação às manifestações musicais das comunidades.

O Butantan inova ao ter um vídeo dos mais vistos no YouTube nos últimos dias (MC Fioti- Vacina Butantan - Remix Bum Bum Tam Tam - KondZilla) e que fala de suas pesquisas, de sua sede, que mostra parte de seus funcionários e instalações para todo o país.

Consulta

BUTANTAN, Instituto. https://butantan.gov.br/

MC FIOTI - Vacina Butantan - Remix Bum Bum Tam Tam (KondZilla). https://www.youtube.com/watch?v=yQ8xJHuW7TY. Acesso em 28/01/21.

SENRA, Ricardo. MC Fioti fala sobre hit da vacina: 'É o funk unido à medicina' 
https://www.youtube.com/watch?v=aQCrdSsxZGs, #BBCNewsBrasil #Entrevista #MCFioti, in 15/01/21. Acesso em 28/01/21


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ROVILSON JOSÉ DA SILVA

Doutor em Educação/ Mestre em Literatura e Ensino/ Professor do Departamento de Educação da UEL – PR / Vencedor do Prêmio VivaLeitura 2008, com o projeto Bibliotecas Escolares: Palavras Andantes.