NO COLETIVO NOS FAZEMOS INDIVÍDUO
Thamiris Iara Sousa Silva
Você já deve ter ouvido frases como “ninguém é uma ilha”, “uma andorinha só não faz verão”, “é melhor ter amigo na praça do que dinheiro na caixa”, entre muitas outras. A primeira frase que citei tem origem filosófica, há toda uma construção sobre isso, mas esta frase é a parte mais popularizada, e junto das outras frases que citei (que são ditados populares, diga-se de passagem) trata-se, em suma, de que não devemos nos isolar, que sozinhos não conseguimos ir tão longe e que precisamos nos cercar de companhias.
A importância do outro é uma questão que precisamos compreender. Por vezes falamos de parceiros em tom romântico, namoro e casamento estão facilmente vinculados a relacionamento, mas e quanto aos relacionamentos que fazemos na escola? Na universidade? No trabalho? Ou em comunidades religiosas ou de lazer? O outro é o que nos faz ser eu, e por isto construir relacionamentos é essencial para manutenção da vida.
Entre as muitas contribuições que podem ser geradas na relação com o outro está o aprendizado. O aprendizado no coletivo pode ser uma estratégia para a formação do aprendizado individual. Trazendo para o universo científico temos o que é chamado de Comunidades de Prática (CoP), termo cunhado pelo autor Etienne Wenger (2008), que consiste em um grupo de pessoas que possuem interesses em comum e a partir disso compartilham e constroem conhecimento.
Wenger (1998, p. 2. tradução nossa) afirma que a ideia de comunidade não é algo estranho a nossa realidade:
As comunidades de prática estão em toda parte. Todos nós pertencemos a várias delas – no trabalho, na escola, em casa, em nossos hobbies. Algumas têm nome, outras não. Somos membros principais de umas e pertencemos a outras mais perifericamente. […] Seja qual for a nossa participação, a maioria de nós está familiarizado com a experiência de pertencer a uma comunidade de prática.
Percebemos então que estamos ligados, direta ou indiretamente a comunidades, sendo assim, aproveitar este comportamento que nos é natural para fins de aprendizagem é estratégico e reverbera para além da construção de si.
O pertencer a uma comunidade é tão comum para nós que com o surgimento das redes sociais a ideia de comunidade foi levada para o universo virtual. Muitos de nós fizemos parte de comunidades no orkut, e na atualidade grupos dos mais variados existem no facebook, no whatsapp e telegram, todos movimentos que unem pessoas que se identificam de algum modo e querem compartilhar e adquirir conhecimento.
Este movimento simples de agrupar-se pode ser a solução para os avanços que desejamos, às vezes a resposta para nossas inquietações está no modo como o outro vê o mundo.
Voltando para o universo científico, o filósofo Morin propõe um novo jeito de fazer ciência a partir do que ele chama de Teoria da Complexidade, entre seus argumentos está a criação de sete princípios e destaco aqui o princípio da Autonomia Dependente, um dos princípios que mais chama minha atenção.
Acreditamos que não há melhor forma de viver do que de forma autônoma e independente, mas o fato é que sempre seremos dependentes de algo ou alguém, ao passo que se você já não é dependente de seus pais torna-se dependente do seu chefe, por exemplo.
O que Morin traz é a lucidez sobre a autonomia dependente que nos cerca, como o próprio filósofo esclarece que somos dependentes de uma língua, de uma cultura, de uma sociedade, entre outros fatores, sendo assim, sermos dependentes não anula a nossa autonomia, pelo contrário, alcançamos autonomia por meio dessas dependências.
A partir desta compreensão, ressalto o título deste texto e reforço: no coletivo nos fazemos indivíduos, nas relações estabelecemos dependência e autonomia, nas comunidades nos possibilitamos nos ver no outro, e nestas complexas experiências construímos o nosso eu.
Referências
WENGE, E. Communities of Practice: Learning as a Social System. V9N5.cover.4. Tue, Sep 30, 2008. Disponível em: https://participativelearning.org/pluginfile.php/636/mod_resource/content/3/Learningasasocialsystem.pdf. Acesso em: 22 set. 2022.
MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução Eloá Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2021. 128 p.
Thamiris Iara Sousa Silva. Mestranda em Ciência da Informação pelo PPGCI/UNESP. Graduada em Biblioteconomia pela UFMA.