LITERATURA INFANTOJUVENIL


VOCÊ LEU DE NOVO O LIVRO O MENINO NO ESPELHO?

Sim. Em um final de semana chuvoso, depois de muitos anos li novamente o livro O menino no espelho. Este livro tem copyright 1989. Seu autor é o mineiro, nascido em Belo Horizonte, Fernando Sabino.

Quando decidi reler este livro, tinha como objetivo saber se a segunda leitura seria semelhante à primeira vez que li nos idos de 1990. Minha conclusão é Sim. Continuo avaliando que a obra é criativa e divertida, portanto gostei muito de ter lido e relido.

Só para atiçar a curiosidade do leitor, vou contar que o personagem-menino um dia acordou sem vontade de realizar algumas tarefas e, ao olhar no espelho, descobre que seu reflexo tem vida própria... daquele dia em diante ele manda o seu “duplo” fazer tudo aquilo que ele não gostava... (você só saberá disso na página 127, dizendo isso espero que não estrague a sua leitura!)

Na ficha catalográfica dessa obra há a informação de que ela é um romance brasileiro, mas eu refino essa classificação incluindo-a como literatura infantojuvenil.

Faço isso não apenas por acreditar ser uma narrativa feita por uma criança para outras crianças, mas por achar que os leitores dessa faixa etária se identificam com o enredo da obra. Em seu enredo tem futebol, animais, casa assombrada, personagens da literatura, o primeiro amor e outras coisinhas do cotidiano.

No entanto, essa não é uma regra, pois já era adulta quando li pela primeira e, agora na segunda leitura, tenho mais de 60 anos e o clima familiar me atrai, talvez por ser filha de mãe mineira... Talvez por ainda sonhar com um mundo pueril, mas não tolo.

O livro cutuca memórias urbanas que se assemelham. Apesar de o autor ter nascido em 1923 em uma capital e eu em 1958 no interior, há características que me soam conhecidas. Por exemplo, a presença de ditados popular nas conversas:

“A galinha come milho e o papagaio leva a fama!”

“Cala a boca já morreu quem manda aqui sou eu!”

 “Cara de quem comeu e não gostou”

“Os incomodados que se retirem”

“Salvar o pai da forca”

“Pensar na morte da bezerra”

Em uma determinada parte do enredo o personagem conta que as crianças podiam tomar vinho com água e açúcar, me lembrei de que isso acontecia na minha família também.

Outro comportamento que o autor relembra e que já vi acontecer é a “chicotada de raspão com o dedo indicador no traseiro do outro.” (p.11). Era um susto danado, a sensação era uma espécie de choque!

Mas vamos à história: a família de Fernando (talvez seja a do autor também!) é formada por ele, dois irmãos, mãe, pai e uma empregada que, nem sempre, dá conta de cuidar de tanta energia e invenção do menino. Na casa tem um pastor alemão chamado Hindemburgo (tem medo até de gato), uma galinha chamada Fernanda (que ele esconde quando chega visita para não ir parar na panela), um coelho russo chamado Pastoff e o papagaio chamado Godofredo (que delatava as artes dele).

O menino conta as idas ao cinema para assistir bangue-bangues. Faz referências ao escuro e a magia das luzes na tela. Fala do desejo de passar pelas experiências da Alice no país das maravilhas, a vontade de ter a força do Super-Homem, o sonho de conhecer o Tarzã e, também, a esperança de ser igual ao Mandrake.

Imagina que irá visitar o Sítio do Picapau Amarelo para espiar o Visconde de Sabugosa, o Marquês de Rabicó, Emília, Pedrinho, Narizinho, Dona Benta, Tia Nastácia. Lembra que a Tia Anastácia “[...] não acredita que a terra é redonda [...]”. (p.56). 

Nesse instante paro de ler... Fico pensando que fora da literatura, na atualidade em nosso país tem gente que continua pensando assim...

Volto à leitura e também sinto o desejo de ser uma personagem com força, muita força para combater o negacionismo que virou uma praga!!

Entre as aventuras de Fernando está a de fazer parte com sua amiga-vizinha Mariana, do Departamento Especial de Investigações e Espionagem. O sonho era resolver o mistério de uma casa assombrada. Ele não queria que seu irmão Gerson soubesse, então em determinados momentos ele (Odnanref) se comunica com Anairam (quando detetives assumiam o nome é invertido) da seguinte forma:

- Nãopão popodepemospôs fapalarpar mais-pais napa linpinguapá dodô pepê. Opô Gerpersonpon sapabepê fapalarpar nepessapá linpinguapá. Hopojepê epelepê enpentenpendeupeu tupudopô quepê fapaleipei nopô tepelepefoponepê. (p. 76).

Preciso contar que até hoje me comunico por meio da língua do Pê em família, só que a nossa é simples assim: pêeu pêre pêli pêo pêli pêvro pêdo pêFer pênan pêdo pêSa pêbi pêno.

Como havia dito, na página 127 é o ápice da história do “O Menino no espelho”. O capítulo se inicia com ele relatando a seguinte experiência do seu irmão Gerson e sua fantástica máquina fotográfica:

Mandou que eu ficasse junto ao muro branco do quintal, como se tivesse conversando com alguém. Depois de bater a foto, fez com que eu passasse para o lugar desse alguém, e sem rodar o filme tornou a fotografar. (p.132).

Essa experiência eu também vivenciei em família. O irmão da minha mãe Wagno (tio Waguinho), um fotógrafo apaixonado até hoje pela profissão, fotografou a cidade de Londrina com suas primeiras construções e sobrepôs a foto da minha irmã Silvinha, ainda pequena, em pé segurando uma das pontas do seu vestido. Essa foto ainda está em minha casa e quando mostro para alguém, sempre comento que isso deveria ser uma inovação no começo da década de 1960

Voltando ao livro, o autor, utilizando o personagem diz:

Tenho até hoje essa foto, que deu margem a tantas fantasias, quando eu era menino: ficava a contemplá-la, fascinado, pensando como seria bom se realmente existisse uma pessoa igual a mim. (p.128)

[...] ficava horas me observando, fazendo caretas e gatimonhas para a minha figura, falando comigo mesmo como se fosse outra pessoa. (p.130)

De tanto desejar, Fernando consegue que seu reflexo se desprenda do espelho e se dirige para ele dizendo: “Sim, Odnanref. Fernando de trás para diante.” (p.132).

Paro agora a narrativa e deixo o leitor imaginando o que poderá acontecer nas próximas 64 páginas. Quem sabe faça como eu: peguei emprestado na Biblioteca Pública de Londrina, pois o meu exemplar não vejo há muitos anos e espero que esteja circulando pelas mãos de muitos leitores.

Ao finalizar a leitura, penso que desejar ter alguém para fazer coisas que não gosto, mesmo na fase adulta, é uma situação bem sedutora! Eu pediria para ileus (Sueli de trás para diante) sempre dirigir o carro pra mim!

Sugestão de leitura:

SABINO, Fernando. O menino no espelho: o que você quer ser quando crescer? 58.ed. Rio de Janeiro, 2001.


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SUELI BORTOLIN

Doutora e Mestre em Ciência da Informação pela UNESP/ Marília. Professora do Departamento de Ciências da Informação do CECA/UEL - Ex-Presidente e Ex-Secretária da ONG Mundoquelê.