BIBLIOTECA ESCOLAR


  • Discussões, debates e reflexões sobre aspectos gerais e específicos da Biblioteca Escolar.

NOVAS SALAS DE LEITURA

Está sendo veiculado na mídia impressa (DOESP, Seção I, p.119, de 05 de março de 2009) que a Secretaria de Estado da Educação vai mudar o conceito de salas de leitura das escolas estaduais paulistas.

 

Essa é uma notícia bastante bizarra: sala de leitura é óbvia e pressupostamente entendida como o local onde se pratica e se pode praticar o ato de ler, individualmente ou na companhia de mais pessoas.

 

Localizada na escola pública, significa que a leitura fica sendo de responsabilidade institucional e, por isso, requer determinado arcabouço, com condições especiais e próprias.

 

Para a Secretaria de Educação, que sempre determinou os rumos da escola e das coisas da escola, sala de leitura não é a mesma coisa que biblioteca escolar (de passado recente no próprio Estado, e de sucesso no âmbito privado) e, aparentemente, a suplanta nos mais diversos sentidos; inclusive aquele pelo qual já foi considerada como sala de leitura, em outras gestões. Temos agora, portanto, uma “nova” sala de leitura, a pretender resolver ou a pelo menos equacionar a falta de leitura e de conhecimento de nosso alunado em geral.

 

Para mudar o conceito, a Secretaria de Educação substitui o profissional bibliotecário (com curso universitário que o capacita legalmente) pelo professor readaptado, agora chamado de “mediador de leitura.”. Consideremos que um e outro o são ou deveriam sê-lo, desde sempre. O argumento apresentado é o de que o segundo pode dispor de 8 horas diárias para a sua nova função; não é o caso do bibliotecário, que nem mais existe nos quadros da Secretaria, onde está barrado e impedido de exercer sua habilidade profissional.

 

Por outro lado, a Secretaria está destinando 25 m2 como espaço dedicado à leitura, para ali colocar 2 computadores, estantes, um novo acervo, ventiladores, mesas de leitura, mesas para cadeirantes (mais os próprios), DVD e som. Um exercício interessante seria utilizar papel quadriculado e lápis, ou até elaborar uma maquete, sem falar na utilização de novas tecnologias tridimensionais adequadas, para verificar o que ou quem caberia nesse espaço diminuto. Certamente, alguma coisa ficaria de fora e ali não caberia uma classe inteira de estudantes (sabemos que, no ensino público, elas são numerosas, suplantando o número ideal de alunos, com vistas ao aprendizado eficaz). Portanto, insuficiente como padrão a ser seguido em todo o sistema escolar paulista.

 

Indo mais além, a porta-voz Valéria de Souza informa que, no 2º semestre, será incorporado à parceria um estagiário, não se sabe oriundo de que curso e qual a sua qualificação. Qual o seu papel?

 

Equivocadamente, a nosso ver, Valéria diz que “vamos criar um mediador de leitura em cada unidade. Um professor para planejar atividades de leitura.” Equivocadamente, afirmamos, pois todo e qualquer professor deve ser um mediador de leitura, por conta de sua cultura geral e de seus conhecimentos específicos de área; um de seus papéis mais nobres e que contribuem para a formação de leitores, de mentalidades e de cidadania, na escola e com reflexos fora dela.

 

Causa indignação a falta de sensibilidade e de criticidade da equipe que gestiona a Educação em São Paulo. Com a parcela da minha/nossa participação como contribuinte, o estado de São Paulo pratica a malversação do dinheiro público em projetos equivocados, caros e lesivos à sociedade e aos cofres públicos, pois informa que são 11,5 mil readaptados (isto é, professores que não podem ficar em sala de aula por motivo de saúde). Ressalva: aqueles que não se encaixarem no perfil de mediador serão postos de lado e chamados professores temporários para a nova atribuição! Isso custa dinheiro e tem outras implicações: tudo em nome do empréstimo de livros que, segundo Valéria, a Secretaria de Educação não liberava por fazerem parte do patrimônio da escola e agora estão categorizados como material de consumo! Se não havia controle desse patrimônio na Rede Pública antes, agora muito menos, e é água que vai “pelo ralo”; milhões escoados, tanto mais que esse mediador não está preparado para organizar, controlar e gerir tecnicamente o acervo (multimídia?) da sala de leitura, “não mais biblioteca escolar”, como querem eles.  É muita ingenuidade ou muita picaretagem!

 

No destaque para a qualificação dos mediadores de leitura, dão preferência aos licenciados em língua portuguesa, com segunda opção por aqueles formados em letras, pedagogia, história, artes e sociologia, os quais devem comprovar o exercício em sala de aula por pelo menos 3 anos. E aí, “por motivo de saúde”, uma junta médica ou um mero atestado (a exemplo de como era há duas décadas passadas) o declara não apto a permanecer em sala de aula mas bom para lidar com alunos na sala de leitura, mesmo que o problema impeditivo seja, por exemplo, dependência química ou uma grave depressão psicológica. Além disso, os critérios da Secretaria exigem que o candidato à função tenha participado de cursos oferecidos por ela na área de leitura, bem como possua domínio de informática e de sistemas informacionais. Ótimo! Apesar de que esse discurso da Secretaria seja do início dos anos 90 e alguém o tenha desengavetado como

novo, ele tem um traço atual, já que o conhecimento depende, hoje, do acesso à informação acumulada, que se encontra quer em textos impressos graficamente quanto em textos eletrônicos, não excludentes entre si.

 

A complementar essa formação insuficiente, estão elencadas qualidades pessoais, difíceis de serem medidas previamente: ser “inovador, dinâmico, freqüentador de espaços culturais e bem relacionado com a comunidade escolar”. Esse deveria ser o perfil descrito de toda a equipe escolar, desde a diretoria até o mais simples auxiliar, dentro de uma mesma escola educadora (sim!) e de cidadãos bem informados, com acesso à cultura; vale dizer, à herança cultural, representada pelo acervo (velho ou novo).

 

Ora, acontece que esse acervo requer preparo e manutenção para estar organizado e disponibilizado, para  que ele possa ser acessado e finalmente posto ao empréstimo não só do aluno mas de toda a comunidade escolar. Ninguém da Secretaria menciona esse aspecto. Portanto, os projetos e ações continuam capengas, de longa data. Por que a resistência quanto ao estabelecimento de uma dobradinha, professor-bibliotecário, cuja parceria daria conta desses aspectos mais prementes? Por que a Secretaria, deixando de se esquivar dos preceitos constitucionais, não procura resolver o problema dos mais de onze mil readaptados, cuidando adequadamente do outro e importantíssimo lado da mesma moeda – o acervo? Motivação para a leitura é fundamental, através da mediação; mas, acervo bem gerido também é fundamental para que qualquer escola tenha com que promover a leitura.

 

Estão aí as universidades e centros universitários que não me deixam mentir! (MHTCB)


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MARILUCIA BERNARDI

Formada pela PUCCampinas. Atualmente elabora projetos para formação de Biblioteca Particular (Pessoal), oferece apoio a Bibliotecas Escolares e é aluna da Faculdade da Terceira Idade, da UNIVAP, em Campos do Jordão. Ministrou aulas de Literatura e Comunicação, por dois anos, na Faculdade da Terceira Idade. Atuou na Escola Estadual Prof. Theodoro Corrêa Cintra, em Campos do Jordão, pela ONG AMECampos do Jordão. Trabalhou na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo; na Metal Leve; chefiou a Biblioteca da Faculdade Anhembi-Morumbi e foi encarregada da biblioteca do Colégio Santa Maria. Possui textos publicados e ministrou diversas palestras sobre Biblioteca Escolar.?

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MARIA HELENA T. C. BARROS

Livre-docente em Disseminação da Informação (UNESP); Doutora em Ciências da Comunicação (USP); Mestre em Biblioteconomia (PUCCAMP); Especialista em Ação Cultural (USP); Formada em Biblioteconomia e Cultura Geral (Fac. Filosofia Sedes Sapientiae); Autora de livros e artigos científicos publicados no Brasil e no Exterior