BIBLIOTECA ESCOLAR


  • Discussões, debates e reflexões sobre aspectos gerais e específicos da Biblioteca Escolar.

AVALIAÇÃO DA BIBLIOTECA ESCOLAR

Sou bibliotecária escolar desde 1996 e em mais de uma ocasião fiquei tentada em submeter a biblioteca onde trabalho a uma avaliação de desempenho, assim como os funcionários do colégio já foram uma vez.

 

Aqui vale uma ressalva; quando menciono que fui avaliada uma única vez, entenda-se, instrumentalizada, com perguntas previamente definidas e planejadas, horário marcado para cada um e tudo o que deriva de uma avaliação de desempenho correta e completa, pois somos testados e avaliados diariamente, quer pela direção, orientação, professores, colegas e usuários de uma forma geral. 

 

Esse fato ocorreu em 2001, e desde então tenho pensado em elaborar instrumentos que me permitam medir de fato, a qualidade dos serviços que prestamos na Biblioteca, assim como conseguir avaliar a eficiência e eficácia dos funcionários que nela trabalham, porém, por inúmeras razões não dei continuidade ao processo.

 

Em meados de 2003 eu estava encontrando bastante dificuldade em lidar com alguns alunos do Ensino Médio. Eles não tinham comportamento adequado, pouco se utilizavam do acervo, usando apenas o espaço da Biblioteca, além de incomodar os alunos de séries mais novas e isso me causava um certo desconforto, irritação e ansiedade em aprender como administrar a situação, sem citar o sentimento de trabalhar em vão e perceber que nossos alunos faziam parte da estatística de que alunos brasileiros não liam (não lêem).

 

Conversando com a direção do Ensino Médio, fui lembrada para fazer uso de minha autoridade e colocá-los para fora e até de suspendê-los, pois tinha autonomia para tanto. Disse-lhe que não gostaria de fazer o papel de polícia, pois não era essa minha intenção e gostaria de encontrar alguma saída juntos, mesmo porque me dissera que esses mesmos alunos e alguns outros tinham igual comportamento em outros setores.

 

Como não tive uma resposta que me satisfizesse, me dirigi à diretora geral, a qual me reporto, que me disse para ter calma pois, com certeza, eu acharia um caminho.

 

Pois bem, passados alguns dias, fui procurada por um professor de História do Ensino Médio, com o qual já havia conversado e “trocado muitas figurinhas” a respeito da biblioteca e tivemos uma conversa longa e muito produtiva.

 

Ele foi muito acolhedor, entendeu minha preocupação, meus anseios e me ajudou muito, principalmente em relação ao trato com adolescentes. Após outras duas reuniões, elaboramos um pequeno questionário, com perguntas diretas que nos permitiram saber o que poderia melhorar na Biblioteca, com os funcionários e comigo também.

 

Aprovado pela direção e com a adesão e disponibilidade desse professor, durante uma semana entramos em todas as salas do Ensino Médio, do 1° ao 3° ano, no período de uma aula, e falei sobre a Biblioteca, sua importância, seu papel, recursos etc, abrindo olhos e ouvidos para atendê-los.

 

 Foi uma experiência cansativa, desgastante, mas incrível. O questionário foi respondido nos 10 minutos finais da aula e após uma semana o professor tabulou as respostas. Tivemos inúmeras surpresas; algumas boas, outras nem tanto, mas o que teve de mais positivo, foram as sugestões dadas pelos alunos para que alterássemos alguns procedimentos na Biblioteca, de forma que eles pudessem utilizá-la melhor.      

 

Como houve o envolvimento de mais de um professor, as respostas também foram usadas por eles em sala de aula, principalmente nos quesitos que tratavam sobre leitura.

 

Decorrido algum tempo desse fato, pudemos notar que melhorou e muito o comportamento dos alunos do Ensino Médio, como um todo, pois sentiram que houve mudança também por parte de todos os funcionários da biblioteca em acolhê-los, tendo suas sugestões atendidas e melhoradas. Já foi um ensaio para uma avaliação de desempenho mais elaborada...

 

Partindo dessa experiência, fizemos algumas discussões em grupos de colegas bibliotecárias mas não conseguimos chegar a um consenso sobre quais instrumentos são melhores ou mais eficazes para se fazer uma avaliação da biblioteca.

 

Deixei o assunto dormente por um tempo e há mais ou menos 2 anos fui pega novamente por esse vírus – avaliação da biblioteca.

 

Final de 2008 e início de 2009 retomei o contato com algumas colegas bibliotecárias a fim de saber se haviam retomado essa questão ou se tinham conhecimento de algo a respeito e a resposta foi negativa. Pesquisando via Internet encontrei algo que está sendo realizado na RBE- Rede de Bibliotecas Escolares de Lisboa.

 

Se trata de um projeto de avaliar a qualidade da biblioteca escolar, cujo objetivo essencial do modelo de auto-avaliação é o de desenvolver uma abordagem essencialmente qualitativa orientada para uma análise dos processos e dos resultados e numa perspectiva formativa, permitindo identificar as necessidades e os pontos fracos com vista a melhorá-los.

 

O Gabinete da RBE – Rede de Bibliotecas Escolares apresenta uma série de razões para a realização da auto-avaliação e tece algumas considerações a respeito desse processo que estão desenvolvendo desde 2007, e que nos serve de exemplo, forçando-nos a agir com muita cautela também ao querermos avaliar nossas bibliotecas.  

 

Uma primeira consideração feita é de ordem metodológica, ou seja, é necessária uma prévia definição se a avaliação será feita de modo a obter resultados qualitativos ou quantitativos, que necessariamente, um não reflete o outro. Para melhor exemplificarmos, uma biblioteca escolar pode ter um altíssimo índice de empréstimos, porém não significa afirmar que seus alunos estão aprendendo, de fato e mais, ou adquirindo maior conhecimento sobre o que estão lendo. Nesse quesito entra a necessidade de avaliar, com muita seriedade, a chamada competência informacional, de fundamental relevância na biblioteca escolar e sobre a qual ainda não temos pleno domínio em como alcançá-la;  

 

A segunda consideração é de ordem técnica, isto é, para que a auto-avaliação seja conclusa é mister que os serviços da biblioteca estejam em consonância com a área pedagógica; que a promoção da leitura e das habilidades que a cercam estejam articuladas entre as duas áreas. “Sendo o domínio da leitura uma competência transversal a todas as áreas curriculares disciplinares e não disciplinares e uma condição sine qua non do sucesso escolar, promover a leitura e as literacias a partir da biblioteca escolar só faz sentido se as respectivas atividades estiverem integradas no desenvolvimento do currículo” – Artur Dagge.

 

A terceira consideração apresentada é a de ordem prática, significando que antes de efetuar uma auto-avaliação, os envolvidos precisam estar cientes de que o volume de informação a receber será tal que poderá comprometer seriamente a validade da avaliação, e até mesmo o desenvolvimento dos trabalhos da biblioteca escolar. O planejamento para definir quem, quantos e de que forma trabalharão com os resultados é tão ou mais importante quanto a avaliação em si.

 

Como Adelina Freire cita em sua tese de mestrado sobre a intersecção da biblioteca escolar com a sala de aula: “o dia-a-dia da vida dos professores apresenta dificuldades várias ao trabalho colaborativo, as quais os colocam, frequentemente, perante o dilema de não conseguirem, por variados fatores, envolver-se em relações que propiciem a colaboração com o bibliotecário ou outros colegas, acreditando contudo que é importante estabelecer essa parceria.”

 

Pois bem, o que nós bibliotecários precisamos pensar e agir é em relação justamente a essa 3ª consideração: de que modo poderemos abrir, ampliar e manter esse canal com o corpo docente para que a biblioteca escolar funcione a contento? De que forma elaborar uma avaliação, se ainda temos dificuldades em trabalhar com os professores? Pois uma avaliação de desempenho da biblioteca escolar só terá sucesso se for pensada, aplicada e trabalhada em conjunto com o corpo docente da escola. Não é e nem pode ser um serviço unilateral da biblioteca.

 

A Rede de Bibliotecas Escolares de Lisboa apresenta no site http://www.rbe.min-edu.pt os instrumentos que estão sendo utilizados nessa avaliação e que vale a pena conhecermos, porém creio ser de muita relevância lembrar aqui que temos bibliotecas escolares com características próprias e totalmente diferentes uma das outras, ainda que sejam de instituições particulares; possuem aspectos bem peculiares, dificultando dessa forma a aplicação de questionários ou formulários iguais para todas as bibliotecas escolares.

 

Já as públicas são mais iguais entre si, seguem padrões similares e geralmente são geridas pelo mesmo órgão, o que se torna um facilitador.

 

De qualquer forma, diante de tudo isso e ainda que não tenhamos os instrumentos adequados, padronizados, para fazermos uma avaliação em nossa biblioteca, seria mais que necessário e oportuno que começássemos a agir e verificar se, realmente, estamos prestando um serviço de qualidade, com qualidade e qual o retorno que desejamos.

 

Mais do que nunca, a educação tem sido colocada em xeque; as escolas são “invadidas” pela concorrência e estão sendo obrigadas a se destacar e a se desdobrar para não perder alunos. O currículo muda com mais rapidez que outrora; os alunos que estão chegando às escolas trazem muito mais dificuldades de aprendizagem e as escolas precisam se adaptar a eles e não o contrário; a oferta de produtos aumentou em cada escola e a estrutura, geralmente, continua a mesma, o que dificulta e muito a execução dos trabalhos.

 

E nesse turbilhão de mudanças diárias e rápidas, a biblioteca também se ressente e acaba por ficar refém delas. Por isso é preciso redobrar o cuidado e atenção para não entrar nessa roda viva, perdendo o foco dos objetivos da biblioteca escolar e de seu papel na Instituição.

 

Seguindo o princípio que é necessário haver um inventário numa biblioteca escolar, pelo menos a cada 2 anos, no mínimo, para controle do acervo e sua conseqüente atualização, da mesma forma é vital que haja uma avaliação de seus recursos materiais e humanos.

 

Essa prática permitirá, sem dúvida, que a biblioteca escolar, que é um espaço democrático, seja mais transparente, aberta, ativa e onde todos sejam partícipes na construção do fazer coletivo.

 

Segundo Waldeck Carneiro da Silva em seu livro Miséria da biblioteca escolar: “convém levar em conta o estabelecimento de uma dinâmica de avaliação permanente da biblioteca escolar pelos seus usuários, tomando-se aqui a avaliação não como subsídios à aplicação de sansões, mas como atividade que orientaria o aperfeiçoamento da qualidade dos serviços prestados pela biblioteca. Sem dúvida, como se trata de um espaço que se organiza na escola, a avaliação da biblioteca escolar deveria estar inserida num processo mais amplo de avaliação da escola como um todo. Contudo, no que tange especialmente à biblioteca escolar, convém acentuar que defendemos um processo avaliativo que seja capaz de demarcar o nível de sua eficiência não apenas em termos de freqüência de leitores, quantidade de empréstimos etc. Para muito além de tais parâmetros, que não precisam ser desprezados, apontamos para uma dinâmica que seja capaz de avaliar permanentemente o papel da biblioteca escolar como recurso de ensino/aprendizagem e a sua eficácia no enriquecimento do trabalho pedagógico desenvolvido na escola.“

(MB)


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MARILUCIA BERNARDI

Formada pela PUCCampinas. Atualmente elabora projetos para formação de Biblioteca Particular (Pessoal), oferece apoio a Bibliotecas Escolares e é aluna da Faculdade da Terceira Idade, da UNIVAP, em Campos do Jordão. Ministrou aulas de Literatura e Comunicação, por dois anos, na Faculdade da Terceira Idade. Atuou na Escola Estadual Prof. Theodoro Corrêa Cintra, em Campos do Jordão, pela ONG AMECampos do Jordão. Trabalhou na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo; na Metal Leve; chefiou a Biblioteca da Faculdade Anhembi-Morumbi e foi encarregada da biblioteca do Colégio Santa Maria. Possui textos publicados e ministrou diversas palestras sobre Biblioteca Escolar.?

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MARIA HELENA T. C. BARROS

Livre-docente em Disseminação da Informação (UNESP); Doutora em Ciências da Comunicação (USP); Mestre em Biblioteconomia (PUCCAMP); Especialista em Ação Cultural (USP); Formada em Biblioteconomia e Cultura Geral (Fac. Filosofia Sedes Sapientiae); Autora de livros e artigos científicos publicados no Brasil e no Exterior