LITERATURA INFANTOJUVENIL


OS CACOS DE UM TEXTO

As palavras em geral são sonoras, mas algumas delas grudam nos ouvidos da gente de uma forma tão melodiosa que nos perseguem. Há vários dias uma palavra está me possuindo. Ela vem cutucando devagar minha imaginação que não paro de pensar nela.

 

O culpado dessa perseguição é o Rovilson (isso mesmo aquele ali ao lado que também escreve no site do Oswaldo). Estávamos, eu ele e o Oswaldo almoçando em Londrina no Frutal do Campo. Você deve estar pensando que o nome desse restaurante também é sonoro, mas se conhecê-lo vai ver que é, ele é totalmente sonoro, pois é um espaço bucólico incrustado no meio de prédios e ruas movimentadas e estando nele a gente só escuta os passarinhos.

 

Oh! desculpe o comercial e a digressão, mas o Rovilson estava contando de um texto que estamos escrevendo e que gostaríamos da participação do Oswaldo. O Oswaldo solícito diz: - me manda e vamos conversando (se não for isso, é algo parecido!).

 

Foi aí que o Rovilson veio com essa, podemos fazer isso, mas só depois que mexer um pouco, pois o texto está “cheio de cacos”.

 

De lá para cá minha imaginação correu solta, primeiro pensei nos mosaicos que decoram aquele restaurante e que são feitos pelas mãos habilidosas da Dede, sua proprietária. São lindos!

 

Lembrei-me da expressão que os adultos falam no fim de um dia puxado e que as crianças (aí me incluo) estranham -  “hoje estou um caco!”

 

Passados alguns dias minha sobrinha Ticiane (que sofre de suelisite - ela as vezes acha que sou a verdadeira mãe dela de tão estabanada que somos), quebrou uma peça de porcelana da futura sogra. Que susto, quase trincou a relação e viu a viola em cacos!

 

Isso me fez lembrar quando eu tinha 15 anos e fui a Piraju (São Paulo) com minha tia rever uma amiga que há muito não via.

 

E lá, brinca daqui brinca daqui com a pequena filha da dona da casa, eu fiz suelizise: quebrei um casal de mexicanos de porcelana que estavam pendurados na parede.

 

Triste destino, o mimo (essa palavra também é sonora) foi presente da minha tia à sua amiga quando elas ainda eram solteiras! Aí eu não apenas vi a viola em cacos, como vi o telhado desabar na minha cabeça, telha a telha, caco a caco! Fiquei de coração partido!

 

Sobrevivi. O negócio foi catar os cacos e continuar a vida...

 

Não sei se estou conseguindo dar corda na sua imaginação, mas me lembrei do Caco personagem da Vila Sésamo que as gerações posteriores à minha curtiram muito na TV. É um sapo verde encantador e divertido com uma boca enorme (há alguns episódicos na web, quem não conhece veja lá!).

 

Por falar em Veja lá! Essa é uma expressão sonora que o Oswaldo (não sei se ele já percebeu), usa quando envia um texto por e-mail pra gente avaliar ou curtir.

 

Assim, quando vi estava de caco até o pescoço e resolvi falar de um livro maravilhoso de uma escritora maravilhosa (sobre ela vou pedir para a Marcia Batista, atual coordenadora do projeto Palavras Andantes em Londrina, fazer um texto para esta coluna, pois ela é especialista em Cora Coralina).

 

Esse livro de Cora Coralina chama-se O prato azul-pombinho e é publicado pela editora Global com ilustração da também maravilhosa Angela Lago.

 

Esse texto tem origem no poema com o mesmo título e que está no livro Poemas do beco de Goiás e estórias mais, nele Cora Coralina narra a história de um prato (último prato de um aparelho antigo de 92 peças) que veio passando de pai para filho, talvez seja melhor dizer: de mãos em mãos das várias gerações de mulheres que iam cuidando com carinho, mas que não podiam evitar que um descuidado (em geral criança), no transcorrer dos tempos quebrasse peça a peça.

 

A história é narrada por uma menina e pela sua bisavó que dizia sempre:

 

Era um prato original,

muito grande, fora de tamanho,

um tanto oval.

Prato de cento, de antigas mesas senhoriais

de família numerosa.

De fastos de casamento e dias de batizado.

 

Essa menina cria na imaginação um misto de admiração e atração pela lenda oriental que os desenhos contavam e que a bisavó detalhadamente repetia. Um dia o prato azul-pombinho apareceu quebrado e a menina-narradora, emocionada por lembrar-se da princesinha Lui e seu amor plebeu, começa chorar e...

 

Foi um espanto. Um torvelinho.

Exclamações. Histeria coletiva.

Um deus nos acuda. Um rebuliço.

Quem foi, quem não foi?...

 

Choro suficiente para que ela virasse réu e fosse condenada a andar por muito tempo com um pedaço de caco pendurado no pescoço. Triste sina!

 

Triste, mas que a sensibilidade de Cora Coralina amacia quando termina a história desse jeito:

 

 

Chorei sozinha minhas mágoas de criança.

Depois, me acostumei com aquilo.

No fim, até brincava com o caco pendurado.

E foi assim que guardei

No armarinho da memória, bem guardado,

E posso contar aos meus leitores,

Direitinho,

a estória, tão singela.

Do prato azul-pombinho.

 

Saindo do imaginário, indo para pra real, eu vou com meus dois amigos Oswaldo e Rovilson catando os cacos das nossas experiências e os transformando em textos que se destinam a todos os gêneros de mediadores para que lembrem a importância da sua atuação social.

 

Sugestão de Leitura:

 

CORALINA, Cora. O prato azul-pombinho. 3.ed. São Paulo: Global, 2002.


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SUELI BORTOLIN

Doutora e Mestre em Ciência da Informação pela UNESP/ Marília. Professora do Departamento de Ciências da Informação do CECA/UEL - Ex-Presidente e Ex-Secretária da ONG Mundoquelê.