LITERATURA INFANTOJUVENIL


MONTEIRO LOBATO NO SÍTIO DO PICAPAU AMARELO

Léo Pires Ferreira

O Sítio do Picapau Amarelo foi idealizado por Monteiro Lobato para ser a sede de todas as suas estórias infanto-juvenis. De todos os 23 títulos escritos para crianças e jovens e, com certeza, também dirigidos aos adultos que conseguem abandonar o falso amor próprio dessa idade com relação às coisas relativas às crianças o centro das atenções é o Sítio.

Não há dúvidas de que o Sítio do Picapau Amarelo fazia parte da memória infantil de Monteiro Lobato calcada na fazenda São José no município de Buquira, hoje Monteiro Lobato, de propriedade do avô materno, o Visconde de Tremembé. Essa fazenda foi herdada por Lobato, quando da morte do avô, em 1911.

Monteiro Lobato foi o iniciador da editoração literária no Brasil. Antes dele, havia outras editoras que se limitavam a livros didáticos, principalmente voltados ao primeiro e segundo graus. Naquela época (1918), inicia a publicação de escritores brasileiros, cujos livros eram, então, editados na Europa, principalmente em Portugal e em França. Nesse ano, Lobato edita o seu primeiro livro para adultos, com o título Urupês.

Os mil exemplares da primeira edição esgotaram-se em trinta dias e, menos de um ano após, já haviam sido vendidos 12 mil exemplares. Nesse livro, é lançada a figura do personagem Jeca Tatu, descrição do caipira rural acusado por Lobato como agente de queimadas, e ao qual chamou de piolho da terra. Mas esse personagem criticado pejorativamente tem sua imagem refeita no livro O Problema Vital, também de 1918, no qual Lobato se redime das críticas formuladas no Urupês, quando da constatação de que o Jeca Tatu era (ou ainda é) um homem doente e conclui: "O Jeca não é assim, está assim".

A produção da literatura infantil se inicia em 1920 com a publicação, pela Revista do Brasil, de propriedade de Lobato, do livro A Menina do Narizinho Arrebitado. No ano seguinte, esse livro, com a tiragem fantástica de 50 mil exemplares é adotado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo como o segundo livro de leitura para o uso nas escolas primárias.

Com esse livro, Lobato inicia a sua produção de estórias infanto-juvenis, voltadas à informação e formação da juventude brasileira, escrevendo 23 títulos diferentes. Como inovações para a época, nessas obras são introduzidas ilustrações de desenhos vistosos, dando colorido e graça aos livros.

Apesar de esses fatos terem ocorrido bem antes da Semana de Arte Moderna, de fevereiro de 1922, Lobato, por ter escrito uma crônica (Paranóia ou Mistificação), criticando obras de Anita Malfati, pintora que expôs seus quadros em uma vernissage em 1917, foi alijado como participante desse movimento cultural no Brasil. Mas Lobato era um crítico de arte àquela época, antes mesmo de se tornar o maior escritor de obras infanto-juvenis que se conhece. Felizmente, em algumas situações, a justiça tarda mas não falha. Um dos principais mentores daquela Semana e daquele movimento, Oswald de Andrade, em 1943, envia uma carta a Lobato cumprimentando-o pelos vinte e cinco anos do lançamento de Urupês (1918) e chamando-o de "o Gandhi" do modernismo.

O objetivo do autor, entre outros, estava baseado na verdade de que é necessário saber para crescer, não apenas biologicamente, mas culturalmente, pois só é culturalmente livre quem tem conhecimento. Assim, nas obras infanto-juvenis de Monteiro Lobato, não há nem a figura do vilão nem a do herói, como na quase totalidade das outras obras infantis. O vilão, ou melhor a vilã, nas estórias de Lobato, é a ignorância e nos seus livros, através dos seus personagens, há sempre a busca do conhecimento, que é o herói, e que sempre derrota a ignorância.

Outro ponto que ressalta diferença nos livros de Lobato quando comparados com outros livros infantis é a íntima união entre o real e o imaginário, situação que não causa estranheza nem às crianças que os leem e nem aos adultos. É perfeitamente aceitável a existência de um boneco feito de sabugo de milho, o Visconde de Sabugosa, que fala e é um sábio, conhecedor de muita ciência, e de uma boneca de pano, a Emília, que fala e é muito esperta e que, na realidade, é o próprio pensamento e procedimento - alter ego - de Lobato. Há o Burro Falante, um personagem com procedimentos e pensamentos de filósofo, há o Quindim, um rinoceronte que foge de um circo e se refugia no Sítio do Picapau Amarelo, e é adotado pelos seus habitantes; esse rinoceronte fala e é conhecedor de gramática, sendo o instrutor dessa matéria à turma do Sítio que busca esses conhecimentos, no livro Emília no País da Gramática.

Há o Faz-de-Conta da Emília, que o usa quando alguma coisa mais extravagante precisa ser feita, e o pó de pir-lim-pim-pim, preparado pelo Visconde com seus conhecimentos de química, que possibilita aos personagens do Sítio fazerem viagens à Grécia e à Ilha de Creta, nos livros O Minotauro e Os Doze Trabalhos de Hércules, e à Lua, Marte e Saturno, no livro A Viagem ao Céu, entre outros.

Completam a turma dos personagens do Sítio, Dona Benta e Tia Nastácia, que representam os adultos; a primeira, o adulto culto, a avó que dá conselhos e transmite conhecimentos, mas que aceita as atividades dos jovens sem o processo dominante da figura da mãe e do pai, e a segunda, o adulto de cultura popular, cheio de crendices, muito bem contadas no livro Histórias de Tia Nastácia. Pedrinho e Narizinho, cujo nome é Lúcia, são os representantes das crianças da faixa etária de 9 -10 anos. E o Marquês de Rabicó, um leitão que vive no sítio e que se casa com a Emília, no livro Reinações de Narizinho.

Cientificamente falando, o Visconde de Sabugosa assume papel muito importante em dois livros. A Reforma da Natureza, onde a Emília resolve mudar algumas coisas como pondo torneiras no úbere das vacas, fazendo borboletas que voem mais lentamente para que se possa pegá-las como aos besouros, moscas sem asas, mais fáceis de controlar, e o livro comestível que, terminando de ler uma página, a mesma seria comida porque já foi lida. Nesse mesmo livro, o Visconde altera o tamanho de alguns animais, causando alguns problemas no Sítio. No livro O Poço do Visconde, esse personagem dá aulas de geologia, ensinando muito sobre petróleo.

Nos outros livros, como História do Mundo para as Crianças, em que é contada a história da espécie humana, A Chave do Tamanho, em que Emília vai ao País das Chaves e, na tentativa de desligar a chave da guerra, desliga a chave do tamanho, reduzindo todos os humanos ao tamanho de três centímetros, O Picapau Amarelo, em que o Sítio é visitado por todos os personagens das histórias infantis, Os Doze Trabalhos de Hércules, em que a Emília, o Visconde de Sabugosa e o Pedrinho ajudam o herói Hércules nos seus difíceis trabalhos impostos por Zeus, A História das Invenções, quando Dona Benta explica como existem o vidro, o telégrafo, a lâmpada, o telescópio e o microscópio, As Caçadas de Pedrinho, onde eles encontram o Quindim, A Aritmética da Emília, onde se aprende matemática, Geografia de Dona Benta e os Serões de Dona Benta, onde muita coisa é ensinada. Além do livro Fábulas, no qual Monteiro Lobato modifica, com a participação principal da Emília, algumas coisas nas fábulas de Esopo e La Fontaine.

Todos devem ler os livros que Monteiro Lobato escreveu, crianças e adultos, as crianças para aprenderem muita coisa, inclusive a formarem senso crítico positivo das coisas que nos cercam, e os adultos para voltarem a rever conceitos que talvez tenham esquecido ou que não tenham aprendido.

Lobato disse que "Um país se faz com homens e livros" e para isso escreveu vários livros muito bons à formação desses seres humanos, nos seus 66 anos de vida (1882 -1948). Além dos 23 livros da literatura infanto-juvenil, escreveu outros 19 livros para adultos, perfazendo um total de 42 livros. Mesmo com toda essa bagagem literária, Monteiro Lobato não faz parte da Academia Brasileira de Letras, em última instância, porque não quis.

Perto do fim da vida, Lobato disse: "Estou arrependido de ter escrito tanto para os adultos, deveria ter escrito mais para as crianças. Perdi tempo escrevendo para os adultos".

Foi casado com Dona Maria Pureza da Natividade, com quem teve quatro filhos: Marta (1909), Edgar (1910), Guilherme (1912) e Ruth (1916). Lutou muito pelo petróleo no Brasil e por isso esteve preso por três meses.

Na véspera da morte, disse: "Meu cavalo está cansado, querendo cova, e o cavaleiro tem muita curiosidade em verificar, pessoalmente, se a morte é vírgula, ponto e vírgula ou ponto final". Morreu de espasmo vascular na madrugada de um domingo, o dia 4 de julho de 1948.

O Sítio do Picapau Amarelo está em qualquer lugar onde nossa imaginação o colocar, e, nos leitores de Monteiro Lobato, crianças e adultos, o Sítio está dentro dos seus corações.

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Léo Pires Ferreira é agrônomo da EMBRAPA/Londrina e pesquisador da obra de Monteiro Lobato. e-mail: marileo@sercomtel.com.br

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SUELI BORTOLIN

Doutora e Mestre em Ciência da Informação pela UNESP/ Marília. Professora do Departamento de Ciências da Informação do CECA/UEL - Ex-Presidente e Ex-Secretária da ONG Mundoquelê.