LITERATURA INFANTOJUVENIL


O SILÊNCIO E AS NARRATIVAS ORAIS: CONTINUANDO A CONVERSA...

Na coluna de dezembro 2020 eu e o professor Cléber Fabiano abordamos o silêncio e as narrativas orais. Não satisfeita, quis dar continuidade à conversa e preciso começar dizendo que o silêncio absoluto não existe, haverá sempre uma pulsação na nossa cabeça, coração, respiração. Sem dizer que calado, nosso corpo fala por meio de um sorriso amarelo, “cara fechada”, gestos, posicionamento do corpo etc. Em especial, nosso rosto revela, mesmo que de forma inconsciente, o que se passa em nossa cabeça e coração.

Narrar histórias é uma atividade exercida desde os tempos mais remotos, sendo um ato cultural apreendido na família ou com demais membros de uma comunidade que realizaram essa função. No entanto, há pessoas que adquirem essa habilidade frequentando cursos e eventos que ensinam formas de se contar histórias, mas que, em geral, priorizam só a performance e quase não utilizam o silêncio, ou não dão destaque a ele.

O silêncio na expressão oral é tão fundamental quanto a emissão das palavras. Como dito anteriormente, ele fascina. O cinema, que está incluído entre as iniciativas de narrativas audiovisuais, se utiliza desse recurso e, em alguns casos, o silêncio chega a ser assustador.

Vale destacar que o silêncio aqui discutido não se refere apenas ao calar da voz, mas também a sua suspensão de uma forma quase inaudível, como o sussurro, que além de criar expectativa, provoca curiosidade, vontade de querer comentar, esticar o texto. Quantas vezes a história narrada chega ao fim e a criança pergunta: mas eles ficaram sozinhos? Ninguém mais encontrou o brinquedo? O cachorro morreu? Se fosse eu tinha feito assim...

Este é um momento que possibilita a interação (narrador e ouvinte). Para tanto, minimamente é necessário paciência para ouvir as crianças, respeito pela sua maneira de se expressar, compreensão do seu “lugar de fala” (idade, domínio de linguagem, cultura etc.) e valorização de seu repertório de vida. Isso não significa que uma narrativa não possa trazer novidade, por exemplo, os costumes de diferentes nações que venham ampliar a visão de mundo da criança.

Acredito que na mediação de histórias são necessários espaços de silêncio para que o narrador enrede o ouvinte e o ouvinte tenha liberdade de se apropriar da sua maneira, no seu ritmo e quando quiser.

Ler ou narrar histórias, mediar com o livro ou sem livro, são atos que trazem vários benefícios, entre eles o de apaziguamento da alma do ouvinte, mas também do narrador.

É preciso acreditar no grau de potência das nossas mediações orais. É preciso acreditar que podemos mudar realidades, principalmente no Brasil que ainda demanda muita dedicação e esforço na formação de leitores; dessa forma é imprescindível promover encontros amorosos com a literatura em lugares sofisticados, mas também em espaços simples e inusitados.

Essa semana lendo o livro Leituras: do espaço íntimo ao espaço público de Michèle Petit me identifiquei enormemente com a autora quando, ao se referir à militância dos mediadores destaca:

Algumas vezes pode ser um professor, em uma relação personalizada, singular. Também pode ser um bibliotecário ou um assistente social que vai dar à outra pessoa a oportunidade de se relacionar concretamente com os livros e de manipulá-los. E vai encontrar inclusive as palavras para legitimar o desejo de ler, e para revelar esse desejo. Para isso é preciso multiplicar as possibilidades de mediação, as ocasiões de promover tais encontros. (PETIT, 2013, p.25, grifo meu).

Ela, quando usa a palavra manipulá-los acredito que esteja falando da mediação do texto no formato livro (impresso ou digital), no entanto é possível transpor esse pensamento para a mediação oral do texto que, quando partilhado no coletivo, por um mediador oral, é envolvente.

Enfim, é saudável fazer, cotidianamente, o exercício de silenciar para aprofundar relações com gentes que nos rodeiam ou que nós rodeamos. Na atualidade as crianças usam o tablet, o smartphone ou notebook e com essas tecnologias têm contato com inúmeras narrativas que, muitas vezes, supervalorizam apenas a imagem e o som. Parece que há um consenso de que as histórias devem ser hiper-super-animadas para prender a atenção das crianças e para alegrá-las, por exemplo, em tempos de pandemia. No entanto, o silêncio tende a tranquilizá-las.

Assim ao mediador é necessário bom senso para saber quando deve silenciar... Estou vivendo essa experiência com minha mãe que, na medida em que o alzheimer avança vai ficando mais tempo em silêncio e eu tenho que encontrar a medida de quanto falar e quanto silenciar...

Sugestão de leitura:

PETIT, Michèle. Leituras: do espaço íntimo ao espaço público. São Paulo: Editora 34, 2013.


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SUELI BORTOLIN

Doutora e Mestre em Ciência da Informação pela UNESP/ Marília. Professora do Departamento de Ciências da Informação do CECA/UEL - Ex-Presidente e Ex-Secretária da ONG Mundoquelê.