LITERATURA INFANTOJUVENIL


NOS ÚLTIMOS MESES DOIS LIVROS INFANTIS ME ARREBATARAM

Em janeiro 2019 eu contei na coluna que virei tia-avó da Laura, mas que Laura virou estrela. Depois de 6 meses conosco, fez uma cirurgia no coração e o seu pequeno corpo não resistiu. Era a hora dela. Para nós restou sentir seu cheiro, ouvir seus pequenos ruídos, ver fotografia e assistir vídeos, sentir saudade e aguardar o próximo encontro.

Nesse momento de tristeza recebi da psicóloga chamada Ana Carolina sugestão para ler o livro Vazio da escritora alemã Anna Llenas. 

O livro Vazio já é provocativo desde a capa cartonada na cor de papelão. Nela uma menina está com um vestido que não tenho muita certeza se é na cor magenta (ligada a espiritualidade) ou na cor vermelha (ligada ao sentimento e ao amor). Bem no meio desse vestido há um buraco (não é o desenho de um buraco, é um buraco recortado). Abaixo dos pés da menina letras recortadas aparentemente também de um papelão, porém pintadas de branco, escrevem VAZIO. Bem em cima da letra O tem uma pequena e simpática tartaruga que parece descansar de uma longa caminhada. Na contracapa ou também chamada de quarta capa do livro há o seguinte texto: 

A vida é cheia de encontros. E também de perdas.

Às vezes, a gente perde coisas insignificantes: um lápis ou um objeto qualquer.

Mas podemos perder coisas bem mais valiosas, como a saúde ou uma pessoa querida.

VAZIO conta a história de uma menina que consegue

superar essa tristeza, dando um novo sentido às suas perdas.

 

Nem preciso falar quanto essa obra me acalentou. Da mesma forma que o livro E o que vem depois de mil? de Anette Bley (comentado na minha coluna em agosto de 2014) logo após a partida do meu pai. 

Júlia, a personagem “Era uma menina feliz e tranquila. Como tantas outras meninas. Mas um dia, de repente, tudo mudou. E ela ficou só com um grande vazio.” No decorrer da história Júlia procura tampas para fechar o vazio, mas a maioria das tentativas era “tapeação”. 

Obviamente que não vou contar o fim da história. Posso dizer apenas que ser resiliente é um exercício, é um ato de coragem (confirmo isso todos os dias que encontro a mãe da Laura, minha sobrinha Ticiane).

Na verdade, o que quero sugerir é que o leitor encare essa obra num sentido amplo e atual. Amplo: para que não tampe apenas nossas perdas físicas (que sem dúvida são muito doloridas). Proponho que essa obra nos acalente e tampe também nossas dores sociais. Atual: para as dores de Brasil. 

Sugiro que porventura (porventura com letras juntinhas com significado - por acaso, e não por ventura, com letras disjuntinhas com o significado de sorte) aqueles que estejam procurando tampas para fechar suas feridas num país que sofre, que transborda palavras e atitudes doloridas, leia o livro Vazio, pois precisamos recriar atitudes empáticas. Precisamos convencer as pessoas que SEMPRE a dor do outro deve ser respeitada.

Eu ainda sou dependente do livro-objeto, mas gosto de ler também pelos ouvidos, então te conto que ela está disponível, um pouco adaptada, no youtube (https://www.youtube.com/watch?v=-eN8ILB9s0k).

Relembro ao leitor que o título da coluna é - Nos últimos meses dois livros me arrebataram e o segundo livro é - Quando eu fui Maria - escritora alemã Jutta Richter com ilustração de Jacky Gleich, então lambe o dedo e vira a página, pois este livro é uma preciosidade! Que sutileza em abordar as dificuldades da criança discriminada e os preconceitos que ela, em geral, enfrenta cotidianamente na escola. 

Antes de falar do livro trago algumas questões apresentadas à repórter Mariana Paschoal pela professora Dra. Maria Nilza da Silva do departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina e coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro (NEAB) que se dedica, há muitos anos, a discutir políticas sociais e combate ao racismo. 

Maria Nilza da Silva enxerga a situação atual como contraditória. Segundo ela, ao mesmo tempo em que há uma valorização do negro, com acesso à universidade, maior presença no mercado de trabalho e em posições e cargos mais altos, a reação contrária também é maior. O racismo vem com muito mais violência, mais visibilidade [...]. A vantagem, segundo ela, é que os negros de hoje estão mais preparados para reagir, exatamente por causa do processo de conscientização desencadeado por políticas públicas de ascensão de minorias. A Taís Araújo e a Maria Júlia, por exemplo, reagiram bem melhor que o Pelé que, em seu tempo, fazia questão de minimizar o fato de ser negro. Hoje, o negro pode ter orgulho e enfrentar o racismo de cabeça erguida. (PASCHOAL, 2015, p.13).

Nessa obra é perceptível a tristeza da personagem que tem o desejo de fazer o papel de Maria no auto de Natal, chegando a enviar uma carta para Papai Noel, mas o papel é para a Brigitte Sulot uma colega de escola que zomba dela e a desrespeita. Ela deveria se contentar em ser uma ovelha, no entanto, algo acontece... o leitor e nossa heroína terão uma grande surpresa...

 

Sugestões de leitura

LLENAS, Anna. Livro vazio. tradução de Sivana Tavano. São Paulo: Moderna, 2017. 

PASCHOAL, Mariana. Negros enfrentam onda conservadora. Vida bancária, Londrina, v.3, n.13, p.12-14. 

RICHTER, Jutta. Quando eu fui Maria. São Paulo: FTD, 2017.


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SUELI BORTOLIN

Doutora e Mestre em Ciência da Informação pela UNESP/ Marília. Professora do Departamento de Ciências da Informação do CECA/UEL - Ex-Presidente e Ex-Secretária da ONG Mundoquelê.